terça-feira, 5 de julho de 2011

Estilhaços (Parte VII)

"Jun observou a pequena oferenda, com um misto de incredibilidade e aquele mesmo terror que não se esvaneceria. Ela dissera que aquilo era a sua irmã? Aquele frágil pedaço de planta? Mentiras… mentiras e mais mentiras de uma adulta má que também o queria meter dentro do saco, e talvez matá-lo, dando-lhe com uma pedra na cabeça. Recuou para fora do aposento, tropeçando em algo que aparentemente não ali estava e caindo para trás desamparado. Uma das mãos esfolou-se na madeira áspera, recebendo duas farpas, mas a dor foi relegada para segundo plano.

- O que foi, pequenino intrometido? – Perguntou, simulando um tom infantil. – Estamos só a fazer uma troca. Leva-a como recordação, antes que decida comer-te. – Atirou-lhe o ramo para cima. A reacção dele foi imediata, saltando para o lado como se o toque daquela coisa passasse peçonha. Apesar de ele nunca ter percebido o que realmente poderia ser a peçonha. Mas era algo mau que revestia a superfície de muitos animais e plantas, segundo a mãe e a avó.

- És uma bruxa… - sussurrou num gemido aflito, recuando em direcção às escadas, antes de descer por elas. Caiu os últimos degraus, esfolando-se ainda mais. Os olhos cheios de lágrimas procuraram a porta fechada e aquele entrave só aumentou a maré de pânico que parecia subir e inundá-lo.

Uma súbita gargalhada malévola fez estremecer o que restava nos vidros, em modo de ameaça, e a criança não se demorou a abrir a porta, escapando-se para o exterior soalheiro. Precipitou-se pelo caminho, derrapando nele, e chegou à aldeia tão depressa como nunca antes. Mas ainda assim pareceu-lhe ter levado uma eternidade a alcançar a segurança. Quando passou a porta de casa e teve coragem para contar tudo o que acontecera, ninguém quis crer na sua história. Porém, logo a noite cobriu a aldeia sem Âmbar regressar a casa. Não apareceu nesse dia, nem em nenhum.

Quando o rapazinho se fechou no quarto para chorar livremente, um ramo de alecrim pereceu imóvel junto ao soalho atapetado. Viajara consigo durante toda a corrida, possivelmente preso à roupa, sem que ele se apercebesse de como lá fora ter. Tinha a certeza que fugira dele quando a mulher de mãos mirradas o atirara. Com cuidado, apanhou-o do chão, relembrando as palavras que ela lhe dissera. E se fosse mesmo a irmã transformada em planta? Nunca veio a saber, mas guardou-o como recordação e como esperança, não obstante os pesadelos que fomentaria na sua mente.

Daí em diante, aos olhos dos aldeões, Jun tornou-se um rapaz perturbado, que criara toda uma história para fantasiar o rapto da irmã. Mas só ele sabia a verdade. Só ele. E agora é somente um velho que conta histórias aos netos.”

O silêncio vagueou pela sala, enquanto as labaredas dançavam na lareira emitindo estranhas sombras que varriam o redor.

- É verdade, avô Jun? Isso aconteceu mesmo? – Perguntou uma pequena de olhos grandes e cor de safira, num sussurro.

- Quem sabe? – O avô sorriu-lhe de forma amável, passando-lhe as mãos pelo cabelo.

(...)