quinta-feira, 30 de junho de 2011

Estilhaços (Parte V)

“Curiosa, a rapariga estendeu a mão para um dos pedaços de vidro, mas ele agarrou-lhe o braço de súbito, impedindo-a de maior proximidade.

- Ainda te podes cortar – advertiu, como um pequeno adulto que vela pela filha, e ainda com a imagem de um espectro assassinado, de cujo peito floria algo afiado.

- Sim, mãe, claro que posso – ironizou, livrando-se do aperto dele com uma sacudidela brusca. – Pára de ser assim. Só me corto se não tiver cuidado, e eu tenho cuidado, não sou nenhuma bebé como tu.

Jun encolheu-se um pouco, sentindo aquelas palavras como ofensas. Ela que fizesse o que lhe apetecesse, porque ele ia para casa. Estava cansado daquela brincadeira, cansado de ser considerado medricas… e cansado de ter medo e de sentir a respiração presa pela ansiedade. Voltou-lhe as costas sem mais nenhuma palavra, esperando que a irmã apanhasse um bom susto antes de regressar para casa a correr.

Dera dois passos quando a ouviu remexer nos estilhaços de vidro. E avançara somente mais um, quando um gritinho lhe chegou aos ouvidos e o pedaço de espelho caiu ao chão com espalhafato, partindo-se ainda mais. Olhou para trás, abrindo a boca com intenções de lhe dizer “eu avisei-te!”, mas a boca manteve-se aberta sem que nada fugisse do interior. Âmbar já não estava junto ao toucador poeirento. Não estava em lado nenhum.

- Ma… mana? – Chamou, olhando em volta, como se ela pudesse ter-se escondido durante aquela fracção de tempo. A única resposta que obteve foi o contínuo esvoaçar das cortinas rasgadas. – Âmbar, onde estás? Isto não tem piada nenhuma.

Abeirou-se do guarda-fatos, abrindo-o vacilante, quase esperando que ela saísse lá de dentro com um salto, para o assustar. Mas estava vazio. Depois espreitou debaixo da cama, como se fosse possível a irmã ter-se escondido lá, o que não era, já que para isso ela teria de passar por si. Constatado o óbvio, lágrimas de medo despontaram nos olhos de Jun, que recuou em direcção à porta do quarto, não permitindo que a atenção se desviasse de todos os ínfimos pormenores em redor. Porém, quando deveria passar a fronteira para o corredor, as costas chocaram com um bloqueio inesperado.”

1 comentário:

Vitor Frazão disse...

Sendo neste momento que se coloca a música da "Quinta Dimensão".